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Feynman e a Educação no Brasil

Richard P. Feynman foi um prolífico físico teórico, ganhador do Prêmio Nobel de Física de 1965, e que participou da equipe de cientistas que desenvolveu a bomba atômica utilizada pelos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Após a guerra, atuou praticamente todo o resto da vida como professor universitário.

Feynman era conhecido por ser um sujeito muito animado e divertido. Uma das biografias que escreveu é o livro "Só pode ser brincadeira, Sr. Feynman!", no qual conta as diversas histórias curiosas e engraçadas que vivenciou desde a infância, bem como seu jeito irreverente de estudar física (que incluía frequentar casas de strip-tease e estudar escrevendo nas toalhas de papel das mesas).

Nessa obra, no capítulo intitulado "O americano, outra vez!", Feynman conta de suas aventuras no Brasil, O físico esteve no país por duas vezes, entre 1951 e 1952, sendo que na segunda oportunidade ficou cerca de dez meses, lecionando na Universidade Federal do Rio de Janeiro. 

É hilariante a história sobre como o físico aprendia o português e como se interessou pela percussão do samba no Brasil (tendo inclusive participado da bateria de uma escola de samba). Mas as conclusões de Feynman acerca do ensino universitário brasileiro na época serviram de dura lição para os acadêmicos cariocas. 

Feynman em fotos de 1984 e no início dos anos 60.

O físico cita que o primeiro ponto interessante que observou foi que os seus alunos, que em geral estavam estudando para serem professores (dada a escassez de oportunidades para formação científica de alto nível no país), costumam responder corretamente todas as suas perguntas quando formuladas conforme nos livros de estudo. Todavia, se reformulasse a pergunta - a mesma pergunta - travestida numa situação prática, os alunos não sabiam responder.

Aquilo o intrigou. Feynman descreveu a situação da seguinte maneira: "Depois de muito investigar, descobri que os alunos tinham memorizado tudo, mas não sabiam o que aquilo significava". O cientista comparou o aprendizado como um sistema de palavras-senha: se o professor questionasse a pergunta "correta", conforme estava no livro, os alunos repetiam também o que estava como resposta no livro. Caso contrário, não havia resposta cadastrada no sistema de memorização dos alunos. No fim, pouco havia de aprendizado, pois não se aprendia, somente se decorava textos.

Feynman também observou que os alunos faziam muito poucas perguntas. Descobriu que isso ocorria de certa forma por constrangimento. Os alunos tinham "vergonha" de se passarem por estúpidos na frente do professor e dos demais colegas. Além disso, os colegas se irritavam com quem fazia perguntas, porque isso atrasava o encerramento da aula. Feynman achou tudo aquilo sem sentido!

O físico colocou da seguinte forma a sua frustração quanto à isso: "Expliquei que era útil trabalhar em conjunto, esclarecer as dúvidas, discuti-las, mas eles não fariam isso porque se sentiriam humilhados se tivessem de perguntar a outra pessoa. Era uma pena! Pessoas inteligentes, que se davam aquele trabalho todo, assumiam essa estranha forma de pensar, um modo canhestro de 'educação' automultiplicadora sem sentido".

Ao encerrar sua disciplina no Brasil, Feynman deu uma palestra em que expôs todas essas críticas. Inclusive sobre os livros didáticos (escritos por brasileiros), onde demonstrava que não havia menção a resultados experimentais, e que os trechos propostos para "decoreba" vinham em negrito, orientando o pensamento para a memorização, e não para o aprendizado. Uma de suas frases iniciais na exposição foi "O objetivo principal da minha palestra é demonstrar que não se está ensinando ciência no Brasil!". Foi pesado.

Feynman cita que, ao final da palestra, o gerente do departamento de formação científica teria dito: "O sr. Feynman nos disse coisas muito difíceis de ouvir, mas, ao que parece, ele ama a ciência e é sincero em sua crítica. Assim, acho que devemos ouvi-lo. Cheguei aqui sabendo que temos algum mal-estar em nosso sistema educacional, mas agora vejo que temos um câncer".

O cientista encerra o capítulo colocando que é ingenuidade enxergar uma universidade com uma lista de cursos e descrições e pensar que a prática é realmente aquilo. O que mais importa é o aprendizado.

Lá se vão quase 70 anos que Richard Feynman esteve por aqui. O que mudou em nosso sistema educacional universitário desde então? Conseguimos evoluir em algum dos pontos criticados pelo notório físico teórico? Se estivesse vivo (já com 102 anos) e voltasse ao país, será que o cientista vencedor no Nobel de 1965 ficaria satisfeito com o que visse?


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